Por Fabrizio Caldeira Landim[1]
Sumário: 1. Introdução. 2. Finalidade do Programa: Racionalização do Contencioso Tributário; 3. Principais Ganhos para o Contribuinte; 3.1. Redução econômica significativa; 3.2. Flexibilização Patrimonial; 3.3. Segurança Jurídica e Encerramento de Litígios; 4. Obrigações do Contribuinte para aderir ao Programa; 4.1 Requerimento Eletrônico e Prazos; 4.2 Critérios de Elegibilidade; 4.3. Renúncia a Teses Jurídicas; 4.4 Demonstração Contábil; 4.5 Virtualização de Processos; 5. Critérios Técnicos: O Potencial Razoável de Recuperação (PRJ); 6. Etapas da Transação e Formalização do Acordo; 7. Uma Oportunidade Estratégica com Impactos Econômicos e Jurídicos Relevantes.
1. Introdução
A Portaria Conjunta PGFN nº 19, de 29 de setembro de 2025, estabelece a segunda fase da transação tributária voltada à cobrança de créditos judicializados de elevado impacto econômico. Esta nova etapa do Programa de Transação Integral (PTI), regulamentado originalmente pela Portaria Normativa MF nº 1.383/2024, representa mais um avanço na política fiscal da União ao possibilitar a resolução consensual de litígios fiscais de grande monta, sob critérios de viabilidade e razoabilidade. O presente artigo tem por objetivo analisar, de forma descritiva, os principais ganhos para o contribuinte, as obrigações exigidas para quem pretende aderir ao programa e a finalidade da norma.
2. Finalidade do Programa: Racionalização do Contencioso Tributário
O escopo central da Portaria é permitir que a União, por meio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e da Receita Federal, celebre acordos de transação com contribuintes cujos débitos estejam judicializados e envolvam valores significativos. A proposta busca promover a desjudicialização da cobrança fiscal por meio da avaliação técnica do Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado (PRJ), priorizando o custo-benefício da manutenção ou encerramento da demanda.
Ao estabelecer critérios objetivos para a concessão de benefícios, o programa reforça uma política pública voltada à eficiência arrecadatória, ao mesmo tempo em que possibilita ao contribuinte o encerramento de litígios prolongados com maior previsibilidade jurídica e segurança patrimonial.
3. Principais Ganhos para o Contribuinte
A adesão ao programa oferece um conjunto robusto de vantagens que tornam a proposta especialmente atrativa para grandes devedores, sobretudo no atual contexto de racionalização das dívidas públicas e reestruturação econômica.
3.1 Redução Econômica Significativa
O contribuinte pode obter: (a) Descontos de até 65% sobre encargos e multas, excluído o valor do principal; (b) Parcelamento em até 120 prestações, com possibilidade de escalonamento; (c) Utilização de precatórios ou créditos líquidos e certos contra a União como forma de amortização da dívida; e, (d) Transformação automática dos depósitos judiciais em pagamento definitivo, reduzindo o saldo devedor.
Estas formas de viabilizar o pagamento dos débitos, conferem fôlego financeiro ao devedor e facilitam a regularização de passivos fiscais elevados, sem comprometer (quando viável par ao contribuinte) o fluxo de caixa das empresas.
3.2. Flexibilização Patrimonial
Um dos grandes atrativos da transação é a possibilidade de substituição ou liberação das garantias judiciais, o que representa não apenas a redução de riscos patrimoniais, mas também a liberação de ativos que poderiam estar vinculados ao processo de cobrança judicial.
3.3. Segurança Jurídica e Encerramento de Litígios
A celebração do acordo pressupõe a renúncia a ações judiciais e recursos relacionados aos débitos incluídos na transação. Essa exigência, ainda que restritiva, promove o encerramento definitivo do litígio e previne riscos decorrentes de decisões desfavoráveis em instâncias superiores, além de contribuir para a estabilidade da situação fiscal do contribuinte perante a União.
4. Obrigações do Contribuinte para aderir ao Programa
A adesão ao programa, embora vantajosa, está condicionada ao cumprimento de diversas exigências legais e procedimentais.
4.1. Requerimento Eletrônico e Prazos
O requerimento de transação deve ser formalizado exclusivamente por meio do portal REGULARIZE, entre os dias 1º de outubro e 29 de dezembro de 2025. Esse prazo é improrrogável e o pedido só será conhecido se estiver acompanhado da documentação completa exigida pela portaria.
4.2. Critérios de Elegibilidade
São elegíveis: (a) Créditos inscritos em dívida ativa ou sob administração da Receita Federal; (b) Créditos igualmente ou superiores a R$ 25 milhões; (c) Ações judiciais que envolvam garantias integrais ou cuja exigibilidade esteja suspensa por decisão judicial; e, (d) Processos conexos de menor valor, desde que compartilhem contexto fático-jurídico com o principal.
4.3. Renúncia a Teses Jurídicas
Após a assinatura do termo de transação, o contribuinte deverá formalmente renunciar a qualquer alegação de direito – atual ou futura – relativa às teses sustentadas nos processos judiciais abrangidos pelo acordo. Essa renúncia compreende ações individuais, coletivas e recursos em curso.
4.4. Demonstração Contábil
Será exigida declaração de profissional habilitado ou nota explicativa nas demonstrações financeiras, indicando se os débitos estavam ou não contabilizados como provisão de passivo, nos termos da NBC TG 25 (Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes).
4.5. Virtualização de Processos
Nos casos em que o processo tramita em meio físico, o contribuinte deverá providenciar sua digitalização, anexando ao requerimento cópias das principais peças processuais.
5. Critérios Técnicos: O Potencial Razoável de Recuperação (PRJ)
A base técnica para as concessões no âmbito do programa é o PRJ – Potencial Razoável de Recuperação do Crédito Judicializado. Trata-se de um indicador estratégico, elaborado exclusivamente pela PGFN, que busca medir a viabilidade econômica da cobrança. São considerados: (a) O grau de incerteza sobre o resultado da ação judicial (com base em jurisprudência, precedentes e decisões já proferidas); (b) A duração da demanda e o tempo de suspensão da exigibilidade; (c) Os custos administrativos e judiciais envolvidos na cobrança; e, (d) A probabilidade de êxito das estratégias judiciais da União.
Importante destacar que o PRJ possui caráter sigiloso, por envolver elementos estratégicos da Fazenda Nacional e estar protegido por dispositivos legais como a Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) e a Lei Complementar nº 73/1993 (Lei Orgânica da AGU).
6. Etapas da Transação e Formalização do Acordo
Concluída a análise do requerimento, a PGFN e a Receita Federal formularão uma proposta de transação, contemplando os termos do parcelamento, descontos e condições específicas. O contribuinte poderá: (a) Aceitar integralmente os termos; e, (b) Apresentar contraproposta, com possibilidade de realização de reuniões, audiências e troca de minutas.
Havendo consenso, o acordo será formalizado por meio de termo de transação, que incluirá: (a) Qualificação das partes; (b) Débitos e processos abrangidos; (c) Garantias apresentadas; (d) Prazos de cumprimento; e, (e) Penalidades em caso de inadimplemento.
A assinatura dependerá da autoridade competente (PGFN que estiver à frente da negociação), sendo exigido o aval do Procurador Chefe da PGFN da respectiva Região Fiscal altos cargos da PGFN, além do Coordenador-Geral da Procuradoria-Geral Adjunta da Dívida Ativa da União e do FGTS, e do Procurador-Geral Adjunto da Dívida Ativa da União e do FGTS, quando a transação envolver valor igual ou superior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais) (artigo 9º, § 1º, incisos I ao III da Portaria PGFN/RFB nº 19/2025).
7. Uma Oportunidade Estratégica com Impactos Econômicos e Jurídicos Relevantes
A Portaria PGFN nº 19/2025 representa uma oportunidade estratégica para os contribuintes que possuam litígios fiscais relevantes, e, que por razões internas aos litígios (probabilidade de êxito, comprometimento de patrimônio envolvido no litígio, dentre outras razões) sejam sopesados para viabilizar o alcance de redução substancial de encargos, previsibilidade jurídica e regularização fiscal. Ao mesmo tempo, o programa reforça o compromisso do Estado com a eficiência da cobrança e a racionalização do contencioso tributário.
Porém, os benefícios vêm acompanhados de obrigações rigorosas, exigindo análise técnica e jurídica muito bem estruturada, envolvendo habilidades multidisciplinares (contadores, advogados, economistas e outros). A renúncia de direitos, a avaliação da viabilidade contábil e a análise do PRJ devem ser cuidadosamente ponderadas por empresas e seus assessores.
Trata-se, portanto, de uma ferramenta poderosa, mas que requer maturidade empresarial, estratégia tributária e assessoria especializada para sua correta e proveitosa utilização.
[1] Advogado com especialização em Direito Tributário pelo IBET/BSB, mestre e doutorando em Direito Constitucional pelo IDP/BSB.