31 de agosto de 2022

Direito à informação: repercussões no direito do consumidor

No comércio eletrônico, a forma como a informação é alinhavada pode levar a uma decisão imponderada pelo consumidor. A sensibilidade do consumidor é retrato da maneira como as informações são estruturadas.   A nova infraestrutura da informação, as autoestradas eletrônicas da informação [1], somadas à abolição de fronteiras nacionais, ocasionaram não somente problemas econômicos, mas, especialmente, […]

No comércio eletrônico, a forma como a informação é alinhavada pode levar a uma decisão imponderada pelo consumidor. A sensibilidade do consumidor é retrato da maneira como as informações são estruturadas.

 

A nova infraestrutura da informação, as autoestradas eletrônicas da informação [1], somadas à abolição de fronteiras nacionais, ocasionaram não somente problemas econômicos, mas, especialmente, jurídicos.

 

Calcada nessas premissas, a obra intitulada “Direito à Informação. Repercussões no Direito do Consumidor” [2] é fruto de nossa tese de doutorado elaborada em regime de cotutela entre a UnB (Universidade de Brasília e a Universidade de Lisboa).

 

O livro é prefaciado pela excelentíssima ministra Nancy Andrigh, do Superior Tribunal de Justiça, e tem apresentação feita pelo professor catedrático da Universidade de Lisboa doutor Dário Moura Vicente.

 

Sobre a obra

 

O surgimento de novas modalidades de negócios, notadamente o comércio eletrônico, exigiu uma necessária intervenção pública, através da regulamentação legislativa do Estado, e privada, por intermédio das empresas e associações que estabeleceram códigos de condutas e regras internas, com a finalidade de garantir um nível elevado de arrimo ao consumidor.

 

O dever de informação insere-se nesse contexto protetivo dos consumidores, transversal à generalidade dos ordenamentos jurídicos. A informação é um bem valioso; ao propagar (in) ertezas, cumpre função primordial na escolha do contraente. Sabe-se que o vetor da informação é dual, isto é, compreende-se o direito à informação versus dever de informação, enquanto “faces de uma mesma moeda”, a da tutela do consumidor.

 

Nos contratos de adesão concluídos por meio eletrônico, as declarações do proponente são a base para que o consumidor adquira o bem ali proposto de forma virtual, sem mesmo ter analisado as características e a qualidade da mercadoria ou serviço, confiando fundamentalmente naquilo que está sendo transmitido.

 

Se, por um viés, a disponibilização de informações pela internet proporciona aos consumidores melhores condições para escolha livre e consciente de um produto ou serviço, por outro, reforça a necessidade de proteção [3] aos riscos peculiares inerentes às transações eletrônicas, particularmente a ausência, omissão ou excesso de informações transmitidas ao consumidor, bem como a utilização de seus dados pessoais sem consentimento.

 

Nesse sentido, o problema analisado nesta obra envolveu o redimensionamento na forma como a informação pré-contratual é transmitida (modus operandi), veiculada (apresentada ao consumidor) e assimilada (compreendida) pelo consumidor, em sede de contratos de adesão concluídos por meio eletrônico, buscando responder até que ponto a prestação do dever de informação tem sido eficaz para o vulnerável.

 

O propósito fundamental foi contribuir para uma melhor compreensão do dever de informação em contratação eletrônica de consumo, distinguindo da contratação tradicional, com finalidade de promover a reflexão e o debate sobre a necessidade regulatória instrumental do tema, com vistas a defender os interesses econômicos dos consumidores.

 

O estudo teve como premissa o caráter irrenunciável e indisponível do direito à informação em sede de contrato eletrônico, uma vez que visa proteger o consumidor contra sua própria irreflexão na pactuação dos contratos. Razão disso é que o dever de informação deriva de normas de interesse e ordem pública, posto que regula interesses gerais e fundamentais da coletividade.

 

Nesse âmbito, os limites do dever de informar desempenham papel crucial na distinção entre informação deficitária daquela transmitida com vistas à compreensão do consumidor. A necessária extensão da informação e o seu conteúdo foram problematizados, cotejando elementos subjetivos e objetivos, a fim de alcançar uma informação justa, sob a ótica de Cappelletti.

 

Efetivamente, se a carência de regulamentação informativa prejudica o consumidor, em outra monta, a sua hiper-regulamentação acaba por embaraçá-lo, notadamente no comércio eletrônico, acarretando desinformação ao consumidor. Aqui, a dialética entre teoria e prática — crucial para detectar os problemas de harmonia entre o sistema europeu e as leis portuguesa e brasileira — serviu de fundamento para demonstrar as dificuldades que o consumidor está suscetível às directivas e respectivas transposições legais nesses sistemas jurídicos, detectando as zonas onde tal dever nos pareça insuficiente ou excessivo, sem deixar de levantar outras questões pertinentes ao tema.

 

Se, por um lado, ao adotar directivas específicas (cláusulas contratuais gerais, Lei de Defesa do Consumidor, Decreto-lei 7/2004, Decreto-lei 24/2014) o legislador português sensibilizou-se com a natureza sui generis do contrato de adesão e com diminuta proteção normativa do consumidor, por outro, o legislador brasileiro está aquém das expectativas, rogando-se de um ordenamento geral (Código de Defesa do Consumidor), leis especiais imprecisas e princípios gerais para delinear as regras desse tipo de contratação.

 

Com base legal já disponível, foram desenvolvidos pragmaticamente, de forma reflexa, a definição de contrato de adesão em análise de direito comparado, o conceito de dever de informação mínimo que o consumidor precisa para assimilação do conteúdo na fase pré-contratual, assim como delineados o impacto da informação na relação comercial, a inaplicabilidade do direito à não informação na contratação eletrônica, as balizas inerentes ao dever de informação do fornecedor e os consectários advindos ao instituto do direito de arrependimento.

 

Assim, em se tratando de contratação eletrônica, a forma como a informação é transmitida ganha relevo e merece ser aprofundada em detrimento da autonomia da vontade entre as partes em dispor as informações à sua ótica.

 

Foi realizada uma análise doutrinária dos aspectos fundamentais, com base na literatura, jurisprudência, dispositivos legais do Brasil, Portugal, regras do direito internacional privado e guidelines das principais Organizações mundiais, bem como estudos de caso relacionados ao objeto de estudo.

 

Outrossim, foi abordada a (in)eficácia da supervisão do estados (Portugal e Brasil) sobre fornecedores de produtos e serviços que utilizam os meios eletrônicos e as condições gerais da contratação ali tratadas, notadamente no que concerne ao dever de informar por parte dos profissionais.

 

Deveras, até que se encontre uma solução mais coesa com princípios de um direito digital, o caminho seria adotar as formas hodiernas de resolução de conflito, notadamente as formas preventivas através de uma rede de compliance eletrônico de consumo entre fornecedores, na perspectiva de autorregulação do mercado?

 

Ou melhor, até que ponto as normas de conduta e a regulamentação de padrões de conduta através de entidades certificadoras podem regular o comportamento dos fornecedores na sociedade de informação, à luz da observância dos deveres de informação?

 

Ciente das resoluções de mercado para regulação desses problemas, abordou-se soluções jurídicas relevantes para evitar, abrandar ou suprir os efeitos da assimetria informacional na esfera do contrato de adesão por meio eletrônico.

 

Finalmente, sob a perspectiva do consumidor, este livro também percorreu as situações de incumprimento do dever de informação, notadamente os casos de culpa in contrahendo e cumprimento defeituoso do contrato, bem como os mecanismos utilizados pelos sistemas para coibir e punir as infrações relativas ao dever de informação cometidas pelos fornecedores em face dos consumidores.

 

Conclusões

 

Ao longo da investigação proposta foi possível constatar que as características dos contratos de adesão celebrados através da internet entre os ordenamentos português e brasileiro são coesas e se orientam no mesmo sentido: tutela do consumidor em detrimento das crescentes transações econômicas por meio da internet. Contudo, na prática, o que se observou foi o inverso. Os contratos padronizados elaborados exclusivamente pelo fornecedor foram instrumento de controle, notadamente por elencar diversas cláusulas limitativas de direito, relegando o consumidor a um segundo plano.

 

É bom frisar que as informações transmitidas em contrato de adesão eletrônico devem ser precisas, claras, facilmente acessíveis e de rápida compreensão, para que o consumidor tenha elementos suficientes para tomar uma decisão informada sobre a transação jurídica que vier a celebrar. A linguagem adotada deve ser inteligível irrestritamente a todos os consumidores.

 

Sendo mais claro e objetivo: na relação de consumo, a informação é a medida da compreensão do consumidor, isto é, o efetivo cumprimento pelo fornecedor do dever de informar pressupõe necessariamente à plena assimilação das informações transmitidas ao consumidor.

 

No primeiro momento, ficou patente que nessa espécie de contratação, o dever de informação toma contornos distintos. Isso porque esse tipo de contratação sui generis não permite o consumidor ter acesso físico ao produto para atestar a qualidade do material, ausência de contato instantâneo para dirimir eventuais dúvidas do consumidor e pelo clausurado que lhe é transmitido, muitas vezes sem a clareza necessária para o mínimo de discernimento para o consumidor.

 

Ademais, remanesceu evidente também, com base no direito comparado luso-brasileiro, que normatizar o dever de informação não é o único caminho que deve ser adotado para tutelar essa relação de consumo, notadamente pela dinamicidade das relações e pela evolução contínua dos sistemas de informação e tecnologia. Assim, a autorregulação e a adoção de guidelines podem auxiliar nessa tarefa de harmonizar esse tipo de relação.

 

Quanto ao dever pré-contratual de informação, concluímos que o sistema português, através de diplomas descoordenados entre si, não conseguiu proteger de forma eficiente a relação de consumo eletrônico. O DL 24/2014 — último diploma elaborado — com o intuito de sintonizar com o avanço do comércio eletrônico, ampliou sobremaneira o rol de obrigações pré-contratuais, o que não refletiu em proteção efetiva do consumidor.

 

Mais que isso: o afã do legislador português de resguardar o direito do consumidor não foi transformado em tutela real ao consumidor. O malfadado esforço em normatizar ao máximo o dever de informação, promovido através de directivas descoordenadas entre si, não atingiu o resultado desejado, demonstrando-se que o sistema é, ao mesmo tempo, protetivo e defeituoso. Ou seja, muitas vezes o excesso de informação acaba, também, por traduzir em desinformação ao consumidor.

 

Por sua vez, o dever pré-contratual de informação no sistema brasileiro está, se comparado ao sistema lusitano, a um nível de proteção inferior. Apesar da louvável intenção de leis recentes, somadas ao Código de Defesa do Consumidor, eminentemente principiológico, a normatização das relações de consumo eletrônicas ainda carece de um aprofundamento eficaz.

 

Na obra, foram indicadas variadas situações de incumprimento do dever de informação consubstanciadas em práticas comerciais desleais, delineados os casos de atraso na entrega do bem, falhas na veiculação das informações ao consumidor, as espécies de publicidade e a utilização indevida de dados pessoais, assim como as situações em que a ausência e o excesso de informação foram prejudiciais ao vulnerável.

 

Em outro viés, ficou constatado que a recusa instantânea do consumidor em não querer ser informado na contratação eletrônica não ilide, a posteriori, o seu direito de reclamar por informações não acessadas, vez que o direito à informação é irrenunciável e, portanto, o fornecedor deve estar sempre preparado para satisfazê-lo a qualquer tempo.

 

Especificamente ao direito à legítima ignorância informacional que o consumidor possuiria em casos de contratação eletrônica, compreendemos que esse direito não é absoluto e somente restrito às informações supérfluas e adicionais, não podendo o consumidor recusar as informações mínimas para contratação.

 

Concretamente, as informações disponíveis no primeiro momento no site eletrônico são, sem dúvidas, aquelas ditas cruciais para a transação. Nesse ponto, estaríamos diante de um contrato sinótico (resumo), o qual conteria as informações básicas e primordiais de início: elementos informativos básicos do fornecedor, objeto do contrato, preço, forma de pagamento, multa rescisória e eventual complemento informativo de cada espécie de contratação. Por outro lado, o consumidor deve ter acesso ao hiperlink que lhe direciona para uma aba que trate pormenorizadamente das demais informações.

 

Pontua-se que essas duas formas de informar ao consumidor são complementares e síncronas, devendo o fornecedor observá-las para que o dever de informar esteja completo.

 

Isso não basta. Demonstrou-se que a obrigação de informação não se relaciona tão somente à observância da lei, muito pelo contrário, está atrelado ao resultado e efetiva assimilação do consumidor. Cumprir objetivamente a norma não basta. A compreensão das informações transmitidas é vista com a prática e com o próprio feedback do consumidor.

 

O direito do consumidor a uma prestação oponível — obter informação — transmitida pelo fornecedor no mercado de consumo, seja através de produtos ou serviços, deve ser necessariamente assegurado pelo fornecedor, desde que o correspondente dever de informar seja devidamente cumprido. Rememora-se por oportuno que, a rigor, a quantidade de informações transmitidas não significa necessariamente compreensão.

 

Parece coerente afirmar que a informação nos contratos de adesão de consumo não diz respeito tão somente ao conteúdo transmitido, mas sobretudo ao seu impacto social e alcance, tendo em conta sempre o fim a que se visa.

 

Finalmente, em que pese as diferenças entre os ordenamentos, restou inconteste a convergência entre os sistemas jurídicos português e brasileiro relativamente ao dever pré-contratual de informação nos contratos de adesão por meio eletrônico, distante algumas vezes por conceitos, características, mas sempre imbricadas e convergentes pela essência: proteção ao consumidor.

 

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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